terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

ENFRENTANDO O PRECONCEITO DE BERMUDA E MEIAS KENDALL - James Pizarro (crônica de 27.02.2018 no Diário de Santa Maria, pág. 4)


Estas doenças – algumas nem tão novas - estão produzindo um comportamento perturbador nas pessoas. Falo nas gripes estranhas. Com novas cepas de vírus. Nas doenças transmitidas por vetores. Nas febres amarelas da vida. Nas doenças sexualmente transmissíveis. Nas doenças que se supunham já erradicadas e que estão voltando.
E que tomam proporções assustadoras na razão direta da ignorância da pessoa. Quanto mais mal informado é o vivente, mais preconceituoso ele se torna.
Qualquer aluno de ciências ou de biologia do ensino fundamental já sabe – por exemplo - quais os sintomas de uma gripe e as formas de contágio.
E um pobre mortal como eu, que estou saindo de uma gripe comum, pude perceber o tipo de reação comportamental das pessoas diante do pavor semeado pela mídia e que encontrou terreno fértil na ignorância de alguns.
Vou reproduzir singelo diálogo mantido com querido amigo pelo messenger há três dias :
"- Ué, desapareceram ? Estávamos pensando em ir aí visitar vocês...
- É que faz quatro dias que estou numa gripe daquelas...
- Bah, sorte nossa que não fomos aí então..."
Nada de perguntas do tipo : melhoraste ? foste ao médico ? está tomando algum medicamento ?
Ou então alguma frase cordial : te cuida, mano ! puxa, que azarão ! toma bastante líquido !
O que li foi apenas a imediata resposta egoísta : "Que sorte a nossa que não fomos aí então".
Decodificando : azar o teu...te vira...problema teu...
Eu e minha mulher agimos completamente diferente em ocasiões semelhantes. Somos os primeiros a aparecer quando há doença na casa de um vizinho ou amigo. Ou emprestar algo nosso quando há necessidade alheia. Somos de visitar, levar pão feito em casa, uma cuca, uma palavra de incentivo.
Acho que a velhice deixa a gente mais generoso. E o fato da gente fazer força para ser um bom cristão na prática nos condicionou a ser assim. Os ensinamentos da igreja e da Palavra nos impelem a servir aos outros. Por isso, a gente não teme nada. A gente não mede consequências pessoais quando um amigo está necessitado. Aliás, para que serve a Fé ?
Mas a paranóia (ou será egoísmo ?) está tão violento que as pessoas sonegam uma mera visita diante de uma gripe comum.
E a dúvida fica óbvia : amizade só serve para festas ? Quando há riscos, mesmo que imaginários, a gente não convive ? É preciso aprender que viver é ousar. Viver é um risco. Se é que pode ser chamada “ousadia” enfrentar a possibilidade de ficar resfriado.
Ando sempre de bermuda e meias longas Kendall de alta compressão para evitar varizes (essas meias de mulher grávida). Óbvio que desperto a curiosidade de almas distraídas que me encaram de alto a baixo na rua como se eu fosse um marciano.
Um desses, que vivia me filando dinheiro para tomar cafezinho, não se contendo de curiosidade, me perguntou porque eu usava as meias Kendall. Prontamente lhe respondi, fazendo a cara mais melancólica do mundo :
- É que que estou com lepra nas duas pernas.
Pois o desgraçado nunca mais me pediu dinheiro e atravessa a rua quando me vê. Com medo do contágio...

sábado, 24 de fevereiro de 2018

SOCORRO, N.S. DO DESTERRO ! - James Pizarro

Professor aposentado morando em Florianópolis há muitos anos vive uma crise. Apaixonado pela ilha da magia, escreve muito sobre ela. Pretende lançar um livro de crônicas sobre o seu cotidiano e o da ilha. Suas relações com os nativos, carinhosamente chamados de "manezinhos". E também com os alienígenas. Os turistas. Empresários. Moradores de rua. Sacerdotes. Comerciantes. Garçons. Bancários. Pescadores. Colegas de cafezinho. Enfim, muita gente que se move no universo de uma praia de 10.000 almas.
São dezenas e dezenas de crônicas, já que o professor está escrevendo horas por dia. E gastando horas para revisar o material que já tinha arquivado. Reescrever. Corrigir. Revisar. Cortar. Autocensurar. Tem sido um sofrimento com a regência e concordância. Além do enfrentamento com as novas regras ortográficas.
A tudo isso agregou-se mais uma dúvida cruel : que título dar ao livro ? O professor tem facilidade para criar coisas e, em poucos dias elaborou uma lista imensa de títulos. Todo dia riscava um ou dois títulos. Finalmente, chegou a dois títulos :
Primeiro : " Sou um Manezinho Adotivo "
Segundo : " Ensinei um Manezinho a Dar Bom Dia "
Mostrou a muitos amigos os dois títulos. Pediu opiniões. E as opiniões foram negativas. Por que ?
Disseram os amigos gaúchos : um gaúcho dizer que é um manezinho adotivo é um insuportável puxa-saquismo e uma agressão às suas origens gaúchas !
Disseram os amigos manezinhos : afirmar que manezinho não dá bom dia é uma crítica que não vai cair bem e muita gente vai ficar de cara virada !
O professor resolveu fazer uma novena para Nossa Senhora do Desterro, padroeira de Florianópolis, cuja festa se realiza dia 17 de fevereiro. Vai pedir inspiração à santa para escolher um título que não provoque discussão.
Nossa Senhora do Desterro vai ter trabalho. Conhecendo o professor como eu conheço, ele é bem capaz de criar um novo título. Incandescente. Polêmico. Viril. Ainda mais que pensa em publicar casos verdadeiros. Nomes. Endereços. Botar a boca no trombone sobre certas agressões gratuitas e burras.
Enquanto isso, as gaivotas continuam a voar mansamente diante da janela do professor...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

MINUTO DE SILÊNCIO PELO CAIXEIRAL QUE AGONIZA EM PLENO CARNAVAL - James Pizarro (crônica pág. 4 do Diário de Santa Maria, 13.02.2018)


Os da minha idade haverão de lembrar o famoso Trio Irakitan cantando a marchinha "Caixinha de Bom Parecer" em uma cena do filme "Entrei de Gaiato" (direção do J.B.Tanko), que fez muito sucesso no Carnaval de 1959.
Eu tinha 17 anos e vi este filme.
Cantei esta música nos lindos bailes do Clube Caixeiral, Santa Maria, RS. Não existia cocaína. Crack. Maconha. No máximo, uma bebedeira ou outra.
Ninguém morria em acidente de carro. Tampouco se usava arma. A única intenção real era brincar. Namorar. Dezenas de casamentos começaram com namoros no Carnaval de salão. Inclusive o meu.
Nascido e criado nos barrancos da Silva Jardim, a poucos metros do arroio Cadena, hoje escondido embaixo do Parque Itaimbé, convivi desde criança com os festejos carnavalescos. Na Rua Dutra Villa, na década de 50, morava meu querido amigo Marino Xavier, o popular “Tomate”, funcionário da Panificadora da Subsistência Militar e árbitro de futebol.
No pátio de sua casa eram realizados os ensaios do célebre bloco de carnaval “Bota que eu bebo”, do qual muito bem lembro o Catixa, massagista do Internacional de Santa Maria, empunhando o estandarte de lantejoulas pretas e brancas. Este bloco seria o embrião do que viria a ser, décadas depois, a Escola de Samba Unidos do Itaimbé. Eu assisti todos os ensaios deste bloco desde que me conheço por gente. Os vizinhos colaboravam com frios e cada um levava sua própria bebida.
Já mais adiante comecei a frequentar as reuniões dançantes carnavalescas dos clubes Santa-mariense e Caixeiral, que começavam às 15h00 e terminavam às 19h00. Santa Maria tinha um pujante carnaval de salão com dezenas de bailes em cerca de 20 clubes em todos os quadrantes da cidade. Guardo com carinho as fotos desta época, com carapuça na cabeça, inocentes rolos de serpentina e sacos de confete nas mãos. Tudo comprado com dinheiro suado economizado das mesadas.
Já adulto, casado, muito participei com meus pais e amigos da fundação e das promoções da Escola de Samba “Unidos do Itaimbé”, pois meu pai foi da diretoria por anos a fio. Lembro dos churrascos, risotos, mocotós, rifas, desfiles, festas, bailes, livros de ouro, mensalidades de associados, doações pedidas na iniciativa privada e demais iniciativas promovidas pelos membros da escola para arrecadar fundos para os desfiles. Lembro de muitos deles : Luizinho e Zaira de Grandi, Alfeu e Iria Pizarro, Luiz Carlos e Iara Druzian, Paivinha, etc...
Dezenas de artigos escrevi sobre temas carnavalescos para a imprensa nos últimos 50 anos. Por dois anos fui jurado do quesito “Samba-enredo” dos desfiles de Carnaval de Santa Maria. Portanto, ninguém pode duvidar que eu não goste das folias de Momo.
Nos 10 anos em que morei em Florianópolis não deixei de acompanhar nunca os desfiles na passarela “Negu Kiridu”, assim como acompanho todo santo ano os desfiles do RJ pela TV, pois acho o mais belo espetáculo artístico-musical do Planeta.
Na minha velhice, vejo com tristeza que mais de 95 % por cento dos clubes sociais da cidade cerraram suas portas. Não há desfiles de rua. As escolas de samba e blocos da minha infância estão silentes. Meus pais e a maioria dos carnavalescos antigos morreram. E para completar o quadro funéreo, o telhado do Caixeiral da minha adolescência desabou.
O que mais o Destino reserva para esta Santa Maria tão machucada ?

sábado, 10 de fevereiro de 2018

CRIANÇA IDOSA - James Pizarro.


Um vizinho chato de condomínio resolveu pegar no meu pé porque saio quase todos os dias para ir ao Supermercado Nacional, na avenida Medianeira, local onde se reunem os colecionadores de álbuns de figurinhas da cidade. Segundo sua "evoluída" cabeça, ele acha que não fica bem para um professor universitário de 75 anos andar trocando figurinhas de futebol. É um pobre coitado...
Tenho misericórdia por quem não sabe voltar a ser criança...porque já morreu há anos e esqueceu de ir para o cemitério !
O que sobra de nós na cabeça dos netos é a nossa capacidade de convívio pacífico e bem humorado com eles...e não o nosso autoritarismo moralista !
Ele ficou espantado quando eu lhe disse :
" - Uns fumam maconha, outros dão o rabo, outros cuidam na vida alheia, outros atrasam o pagamento do condomínio...eu coleciono figurinha de futebol...e com meu dinheiro."
Não sei o porquê, mas deixou de me cumprimentar...

O ANJO DA GUARDA - James Pizarro


Minha avó materna, D. Olina, me amava de maneira incondicional e era cega para meus erros e pecados. Foi a pessoa que mais influenciou minha vida. Não há dia que não lembre dela, embora tenha morrido em 12 de novembro de 1974.
Entre milhares de coisas que aprendi com ela, duas coisas ficaram para sempre na minha cabeça. A oração do Anjo da Guarda e uma frase a respeito de Deus.
Até hoje, antes de dormir ou nos momentos de aflição, sempre rezo :
" Santo Anjo do Senhor
meu zeloso guardador
já que a ti me confiou
a piedade Divina:
hoje e sempre me governa,
rege, guarda e ilumina.
Amém. !
A frase a respeito de Deus, que ela sempre me repetia na hora de dormir, era sintética, positiva e otimista :
" Pode dormir tranquilo que Deus está acordado."
Em ambos os casos, minha avó tinha razão. Foram dois grandes ensinamentos. Minha avó foi a coisa mais próxima do conceito de santidade que conheci em minha vida.
Às vezes, fico a pensar que minha avó - depois de morrer - passou a ser meu segundo anjo da guarda.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

PRECE CARNAVALESCA - James Pizarro

Estou orando - por antecipação - por todos aqueles que perderão a vida nos próximos quatro dias de Carnaval !
Já estou cheio de misericórdia pelos que morrerão assassinados.
Pelos mortos de overdose,
de embolia pulmonar por ingestão de ecstasy,
atropelados,
esmagados entre as ferragens de seus carros,
trucidados por gangs por motivos banais.
Estou cheio de misericórdia 
pelos que usarão crack pela primeira vez
e se tornarão escravos para sempre.
Pelas meninas adolescentes que ficarão grávidas.
Pelos que ficarão aidéticos.
Pelo sofrido colo do útero das que contrairão HPV.
Pela taquicardia dos que consumirão álcool com energéticos.
Pela exaustão dos plantonistas médicos e paramédicos
que atenderão estas tragédias humanas.
Tende piedade de todos, Senhor !
Inclusive de mim, que serei criticado por ter escrito este texto.
Amém.

DOIS DESTINOS - James Pizarro

Era um menino bonito, vivo, simpático.
Corria alegremente pelo pátio do então Grupo Escolar João Belém. Mais tarde era o centro das atenções no pátio do Colégio Manoel Ribas.
Corria a década de 50 na pacata Santa Maria, RS.
No entanto, o adolescente tinha um certo desvio comportamental. Gostava de abusar com os colegas de famílias mais pobres. Os que não usavam roupas de grife. E muito menos frequentavam os salões do Comercial e Caixeiral.
E fazia isso acintosamente. Jogando no ridículo os baixinhos. Os gagos. Os que tinham deficiência visual e usavam óculos, a quem ele chamava de "quatro-olho".
Tinha predileção por tirar sarro ("inticar" se dizia naquela época) com um aluno tímido, calado, de boca pequena a quem ele apelidou de "boquinha-de-chupar-ovo".
Passaram-se vinte e cinco anos.
E cada aluno tomou seu rumo. Foi trilhar seu destino.
Por estes estranhos desígnios o grande gozador de outrora e de futuro brilhante, virou ascensorista.
E o "boquinha-de-chupar-ovo" passou a subir pelo elevador onde seu outrora algoz trabalhava. Porque dava aulas naquele prédio da universidade.
Um dia o encontrou deitado no elevador, bêbado, vomitado e urinado.
Foi aposentado por alcoolismo o outrora gozador.
Abandonado pela mulher, meses depois deu um tiro no ouvido.
Enquanto o outro, tímido e pobre garoto de outrora, continua dar suas aulas na universidade.
E na hora do recreio come ovo na cantina do campus.
Deixando cair alguns respingos de gema no avental imaculado.
Com sua boca pequena.

A MULHER NUA - James Pizarro

A semana oferece uma infinidade de assuntos ao cronista distraído. Que poderia escrever sobre o ódio político destilado nas redes sociais nos últimos dias. Ou sobre o clima de desobediência civil no estado do Espírito Santo que corre o risco de se alastrar pelo país. Ou sobre a irresponsabilidade dos políticos do Executivo que – alheios à anarquia geral – discutem ocupação de cargos em Brasília.
Mas vou tocar num assunto local. Num fenômeno que está ocorrendo à luz do dia. Em pleno centro da cidade. No centro nevrálgico de Santa Maria. Tracem uma linha imaginária reunindo o prédio da Câmara de Vereadores, Catedral Arquidiocesana, praça Saldanha Marinho, o prédio da SUCEVÊ (onde funcionou até poucos dias o gabinete do prefeito)e o prédio do Banco do Brasil. Teremos ai aproximadamente um quadrilátero na zona central da cidade.
Pois exatamente no centro deste quadrilátero, em frente à Catedral Arquidiocesana, no “boulevard” central da avenida rio Branco há uma torneira. E ali, todas as manhãs, uma mulher – aparentando uns 30 ou 35 anos – faz sua higiene íntima. Alheia aos transeuntes, às vezes tira a blusa e fica com os seios a mostra. Mas rigorosamente baixa as calças compridas, tira as calcinhas e demoradamente - munida de panos e sabonete – lava a genitália, ventre e coxas por cerca de quinze minutos. A cena, que se repete diariamente, já foi filmada e o vídeo roda pela internet e redes sociais.
O leitor mais apressado não me julgue . E nem de longe pense que estou a escrever munido de moralismo de cueca por causa da nudez da moça. Que aparenta ter problemas mentais, inclusive. Não faz e nunca fez meu gênero bancar o moralista. O que me preocupa é a integridade física da moça. A saúde dela. Fatalmente – deixada assim abandonada pelas ruas – acabará sendo currada, estuprada. Acabará grávida. Doente. Se amanhã ou depois não aparecer morta.
Eu vi as centenas de pessoas que por ali passavam. Cumprindo seu destino de passar. Maioria fazendo de conta que não viam aquela moça nua. Senhoras “piedosas” que saiam da igreja balançando a cabeça em sinal de reprovação. Alguns guris fazendo piadas. Outros adultos com olhares disfarçados mal reprimindo sua libido.
Lembrei de minhas alunas, minhas filhas e netas. Dei alguns telefonemas quando cheguei em casa para ver em que podia ajudar. Lamentavelmente fui informado pelos órgãos competentes que a pessoa só pode ser removida da rua se ela permitir, isto é, não pode ser retirada à força e internada se não quiser. Então, numa última tentativa, escrevo esta crônica.
O motorista de taxi me disse que qualquer dia a moça entrará nua na catedral para assistir uma missa. Já que os homens não encontram solução para esta pobre irmã nossa, quem sabe Jesus Cristo, na sua infinita misericórdia, não dá um jeito ?
Seria um espetáculo a bofetada na hipocrisia da cidade !!!

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

GOSTOU DAS MINHAS COXAS, SENHORITA ? - James Pizarro (7.2.2018)


Na semana passada, um engraçadinho (na fila da lotérica) disse ao outro em voz alta para que eu ouvisse : "Tem gente que sente frio nas pernas, mesmo no verão". Em menos de dez segundos ouviu a resposta, também em voz alta : "É que a tua mãe me deixa com as coxas geladas". Foi aquele silêncio sepulcral.

Hoje, quando esperava um taxi chegar na rua Venâncio Aires, na portaria da galeria onde moro, uma mulher comentou com a outra : "Olha esse velho lançando moda". Repliquei : "Gostou das minhas coxas, senhorita ?"

Aos 75 anos sigo quebrando modelos medíocres...me recuso a fazer coisas - como ficar calado - apenas para bancar o comportadinho, o politicamente correto, o "civilizado"...emito minhas opiniões e para quem não gostou eu ligo o meu "FODA-SE COM SIRENE" !!!