quinta-feira, 8 de junho de 2017

VAMOS TRATAR MELHOR OS MORTOS ENQUANTO AINDA ESTAMOS VIVOS !? - James Pizarro (Diário de Santa Maria, 06.06.217)

Quando rapazote eu tinha certas manias. Talvez preconceitos. Ou quem sabe, medos. De três deles pelo menos lembro bem. Não visitava doentes em hospital.   Não ia a velórios e enterros. Não ia a cemitérios. E para justificar, costumava dizer “quem não é visto não é lembrado”.

Os anos passaram velozmente. A maturidade chegou. Os medos se foram. A solidariedade se tornou um valor fundamental. O acolhimento na hora da dor e da doença passou a ser um imperativo de prática cristã. E o que a gente acaba mais fazendo aos 75 anos é visitar amigos doentes. Frequentar velórios de amigos, vizinhos, parentes e colegas.

Nos últimos anos  passei  pela dolorosa experiência de muitas mortes familiares. Perdi meus pais. Sogros. Avós. Tios. Sobrinhos.  Nos últimos meses tenho perdido dezenas de amigos, colegas, vizinhos, ex-alunos. 

E no silêncio de cada velório, sempre me lembro do poeta Manuel Bandeira. Nas aulas de Literatura do MANECO, a saudosa professora  Mariazinha Antunes Bernardes me ensinou um poema dele, intitulado “CONSOADA” :

“ Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.”

Foi nesse poema que aprendi o que significa a palavra “caroável” : amável, afetiva, carinhosa. Foi nesse poema que aprendi o significado da expressão “indesejada das gentes”...

Nestas minhas andanças cemiteriais observo coisas do arco da velha. Sujeira por todo canto. Lixo. Macegas. Arbustos altos. Túmulos mal conservados. Galhos de árvores com abelhas e vespas. Indivíduos com atitudes suspeitas andando pelo interior do cemitério. Até cobras já vi (por sorte, não venenosas, que conheço a diferença). Já ocorreram assaltos no interior do cemitério municipal.

A impressão que se tem é que há falta de funcionários. A capacidade física do cemitério municipal, por exemplo, está esgotada. Onde ficaram os planos de verticalização do cemitério ? E a terceirização do mesmo teve ou não interessados ?

Também muito já se falou da construção de capelas no âmbito do próprio cemitério. Seriam evitados os cortejos que atrapalham o trânsito. Guardas municipais fariam a vigilância dos velórios e todos teriam absoluta segurança.


Na legislatura de 1988/91 chegou a ser discutido projeto na Câmara de Vereadores para concessão de licença de construção de um crematório no município de Santa Maria. Mas houve pressões, contestações de toda ordem, incompreensões e o projeto foi derrotado. Mas já se passaram quase 30 anos !!! O mundo evoluiu. Hoje, todo mês assistimos famílias de santa-marienses levarem os corpos de seus entes queridos para cremação em Santa Rosa, Canoas ou outras cidades.  Isso causa transtornos de toda ordem e ainda leva dinheiro de nossa cidade para outras comunidades. Não está na hora de repensar isso ?

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