sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A PRIMEIRA AULA - James Pizarro ( Jornal A RAZÃO,edição de 23.02.2017)


Sou do tempo em que o então chamado Grupo Escolar João Belém funcionava no prédio onde hoje está o MANECO, em Santa Maria, RS. E ali fui matriculado -com 6 anos de idade - no Jardim da Infância (pois não se cogitava falar em maternal, pré-maternal, etc...). 
Assim é que, nos primeiros dias do mês de março de 1948, comecei a estudar. Agarrado à mão de minha mãe, fui levado e entregue na penúltima porta do corredor do primeiro andar à mestra Luiza Leitão, uma professora negra, de cabelos brancos, que foi minha primeira professora e da qual guardo enternecedora lembrança. Ela me recebeu carinhosamente. O que fez dissipar-se do meu assustado espírito qualquer resquício de medo. Muito embora eu tenha sentido um inesquecível aperto no peito quando vi minha mãe me abanar e desaparecer pelo corredor.
É incrível, mas lembro detalhadamente desse primeiro dia de aula ! Sentei-me numa mesinha, junto com duas meninas e um menino, de nome Cleómenes, que estava de gravata e usava óculos. Inexplicavelmente, não guardei o nome das duas meninas, que eram simpáticas e puxavam conversa. A professora Luiza Leitão bateu palmas, pediu silêncio. E colocou no aparelho de som (que era chamado de "vitrola") um enorme disco de vinil. Daquele disco, como num passe de mágica, brotou a emocionante novela intitulada "As Aventuras do Coelhinho Joca", a primeira história infantil gravada que ouvi em minha vida. Eu gostei tanto que, meses depois, quando ganhei meu primeiro cachorro de presente, um fox preto e branco, tratei de batisá-lo de "Joca"...
Corria o ano de 1948, ano em que o Botafogo foi campeão carioca. O time alvinegro entrava em campo com sua mascote "Biriba", uma cadela também fox preta e branca...
A diretora do Grupo Escolar João Belém se chamava Edy Maia Bertóia, casada com um senhor careca, funcionário da Cooperativa dos Ferroviários. Moravam à rua Silva Jardim, quase na esquina com a Comissário Justo. A Dona Edy era mãe do Dr. Ararê Bertóia, médico em Santa Maria e de Soila Bertóia, residente em São Paulo. Parece mentira...a Dona Edy ficou minha grande amiga por mais de 45 anos ! E hoje, falecida, virou nome de escola municipal, numa justa homenagem.
Num relance, passaram-se 66 anos desde a minha primeira aula, pois estou hoje com 72 anos. Lembro detalhadamente de tudo. Desde a disposição dos móveis na sala. Dos quadros. Dos rostos. Dos sons. Do sino batendo para o meu primeiro recreio. Da primeira merenda. À noite, custei muito a dormir. Pois recapitulava mentalmente tudo o que me havia acontecido naquele dia memorável.
A professora Luiza Leitão, e depois a professora Léa Balthar, foram as duas responsáveis pela minha alfabetização.
A outra diretora do João Belém, que substituiu a professora Edy Maia Bertóia, foi a Professora Heleda Diquel Siqueira. Que também foi minha professora de Trabalhos Manuais. Dona Heleda era exímia jogadora de bolão. Viajava muito pelo RS disputando campeonatos femininos de bolão. Faleceu recentemente.
Nas datas importantes - principalmente nas datas cívicas - aconteciam no João Belém as chamadas "audições". O que era isso ? Todo o corpo docente e discente era reunido no salão de festas da escola. E havia apresentação de números artísticos : danças, corais, declamação de poesias, números musicais, mágicas, bandas, etc... Tudo isso era precedido pela fala do locutor. Que lia uma sinopse do número que ía ser apresentado.
Devido ao desembaraço, desenvoltura ou "cara-de-pau" - seja lá que nome tenha isso - sempre fui escolhido para ser o locutor das "audições". O que me conferia um certo "status" com os professores. Simpatia com as meninas. E ciume dos colegas.
Dou-me conta, agora, do óbvio...a influência que tais experiências da meninice podem ter na formação da nossa personalidade. E até nas nossas escolhas profissionais de adulto. 
Por isso, serei eternamente grato às minhas professoras e ao meu colégio.


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