sexta-feira, 8 de abril de 2016

O QUE LUIZINHO DE GRANDI QUERIA ME CONTAR ? - James PIZARRO


Tinha eu 16 anos quando o Edmundo Cardoso foi diretor do jornal "A RAZÃO", em sua antiga sede, à praça Saldanha Marinho. Fui contratado pelo Cardoso como revisor do jornal, indicado pela professora de português do MANECO. Lá ficava eu até de madrugada, sentindo o cheiro do metal das velhas e barulhentas linotipos. A chamada "prova" (texto recém saído da máquina e por ser ainda corrigido) me era trazida lá do fundo das oficinas pelo amigo Bilibio, um dos talentosos gráficos da empresa.
O Nestor Calcagno já escrevia sobre as Forças Armadas. O Bento do Carmo Machado, popular "Bentinho", escrevia sobre futebol amador. O Amauri Fonseca era o secretário do jornal. E frequentavam a redação o Dr. Amauri Lenz, o Dr. Romeu Beltrão, o Prado Veppo e um sem número de figuras importantes da cidade. O Dr. Amauri escrevia uma crônica semanal chamada "As Semanais", que o Cardoso espirituosamente chamava de "as Seminais". O Dr. Beltrão trazia pessoalmente as suas crônicas. Como ele escrevia muito para o jornal e mais de uma vez por semana trazia suas produções, quando adentrava na sala de redação com seus passos lentos e sua cara sempre séria, o Cardoso sempre lhe dava uma atenção especial.
O Cardoso sempre me recomendava : "Pode sair qualquer coisa errada que tu tens o meu perdão, mas os artigos do Dr. Assis Chateaubriand não podem ter jamais um só erro". Para os mais moços, o Dr. Chateaubriand era o poderoso dono e presidente dos famosos "Diários e Emissoras Associados", empresa à qual pertencia o jornal "A RAZÃO" e responsável por uma fantástica rede de jornais ("Diário de Noticias", de P. Alegre, era um dos mais famosos), revistas (onde despontava a revista "O CRUZEIRO", que foi a revista de maior tiragem da América Latina). Depois veio a TV Tupi, a primeira delas no Brasil e suas retransmissoras, entre as quais a TV Piratini, em P. Alegre. Numa fantástica noite de cansaço, revisei mal o artigo do "poderoso chefão" da empresa...e perdi meu emprego. Lembro bem da frase : "o Presidente da República inaugurou a usina em Pernambuco" e, por descuido meu, o jornal estampou no outro dia "o Presidente inaugurou a URINA em Pernambuco". Sem querer fazer trocadilho, tomei uma mijada do Cardoso e fui despedido.
Muitos anos depois , com jornal já comprado pelo querido amigo Luizinho de Grandi, voltei a colaborar com o mesmo durante quase três décadas, auxiliando no fechamento do jornal na feitura de manchetes. O Luizinho ou o Gaspar Miotto (que está aí bem vivo e pode confirmar) me pediam, enquanto eu tomava chimarrão, para escrever uma manchete com um número "x" de letras para que a diagramação do título ficasse perfeita. Convivi nesse período com centenas e centenas de pessoas, não só colaboradores, articulistas, cronistas, empresários, anunciantes, publicitários, etc...como também a turma dos primeiros estagiários do curso de jornalismo da UFSM. Evito de citar seus nomes não por esquecimento. Ao contrário, lembro de centenas de nomes, muitos deles já falecidos. Mas fico com receio de esquecer de alguém e certamente o espaço não seria suficiente.
Está por ser escrita ainda a história do jornal A RAZÃO. Não apenas uma monografia ou singela tese de mestrado. Mas um livro de memórias mesmo, um livro de História, volumoso, alentado, com centenas de fotos. Porque a história de Santa Maria se confunde com a história do jornal. A própria fundação da UFSM deve muito ao suporte que o jornal lhe deu, pois era com uma pasta de recortes de reportagens sobre a UFSM que o Dr. Mariano da Rocha Filho percorria os gabinetes em Brasília articulando apoios e convencendo autoridades e políticos. Dezenas de jornalistas hoje conceituados no Brasil passaram pelas mesas de redação de A RAZÃO, numa época onde nem se sonhava com computadores e gravadores.
Enfim, mesmo longe de Santa Maria e radicado na ilha de Florianópolis, meu coração ainda bate forte quando me lembro das histórias ligadas ao jornal. Registro uma carona que o Luizinho me deu da redação do jornal até à praça Saldanha Marinho. Ele já estava atrasado para começar seu expediente na SUCEVE onde também trabalhava. Ao sair do carro, apressado, ele me disse : "James, preciso te contar uma coisa importantíssima, mas deixa para o churrasco de sexta lá na churrasqueira do seu Alfeu". Dois dias depois ele foi assassinado.
Nunca saberei que coisa o Luizinho queria me contar...

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