sexta-feira, 8 de abril de 2016

O HOMEM-TRONCO - James PIZARRO


Ele era pontual. Quando o o relógio marcava 16,30h, ele partia. Atravessava a rua.
Mas ficava longo tempo com o meio corpo encostado na calçada.
E agarrava-se na lixeira presa ao poste. Para manter o equilíbrio.
Nunca soube seu nome. Sabia que era mendigo. Aleijado.
E que demorava para atravessar a rua. Dependia do fluxo de automóveis.
Ele era muito pequeno. Roupa escura. Não seria notado por motorista apressado.
Corria o risco diariamente de ser atropelado.
Ele que já tinha o corpo atropelado pela fatalidade embriológica.
Nunca soube seu nome. Sabia que era pobre. Mendigo.
Depois de atravessar a rua ficava quieto.
Encostado na parede do prédio da ex-Faculdade de Direito da UFSM. Na parada do ônibus.
Nunca vi ninguém ajudá-lo a atravessar a rua.
E também sem ajuda ele fazia a penosa subida no ônibus. Erguia os dois tocos de braços.
Agarrava-se como podia. E com formidável força erguia o meio corpo.
E se arrastava pelo corredor do ônibus.
Nunca soube seu nome. Sabia que era pobre. Aleijado.
Sempre ficava olhando o ônibus descer a Floriano Peixoto.
Levando no seu ventre de lata aquela criatura. Meia criatura.
Sacolejando no corredor aquele meio corpo. Carregando a féria do dia. Que servia de sustento.
Naquela tarde eu observava tudo. Escorado no beiral do terraço da Rádio Universidade.
O chuvisqueiro havia parado. Um sol ainda tímido fazia buraco entre as nuvens.
As pombas da Antiga Reitoria iniciavam a revoada.
Pombas brancas. Normais. Inteiras. Asas abertas. Serenas.
Elas planavam. E íam pousar do outro lado da rua. No prédio do Colégio Santa Maria.
Lá embaixo as pessoas passavam. Apressadas. Com pastas pretas.
Um senhora loira carregava um ramo de flores. O bilheteiro estendia seus bilhetes.
As pessoas passavam. Cumpriam seu destino de passar.
No outro dia o homem-tronco estaria de volta.
E na semana seguinte. E no outro mês. E no próximo ano.
E ficaria no mês lugar. Olhando as pernas normais. Os passantes apressados.
Um dia ele não voltou nunca mais.
E ninguém notou a sua falta.

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