quarta-feira, 20 de abril de 2016

ÓPERA CIRCENSE - James Pizarro (20/4/2016)

COLUNISTAS

Ópera circense

James Pizarro
por James Pizarro em 20/04/2016
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Não sou daqueles que sentem muita surpresa diante do comportamento pessoal, do conteúdo dos discursos, do vocabulário usado pelos parlamentares federais durante a longa e cansativa sessão que votava a admissibilidade do impeachment. Não esperava outra coisa porque a Câmara dos Deputados retrata fielmente a composição do conjunto da população brasileira. Ela é a “caixa de ressonância” da realidade da sociedade brasileira. Um povo carente de educação, de escolaridade, de formação ética, de formação patriótica. Queriam que a sessão fosse um exemplo de fidalguia e exemplo para o Primeiro Mundo?
A Câmara dos Deputados reflete (infelizmente) a realidade do país: uma fauna bizarra que abriga todo e qualquer tipo de pessoa. Desde médicos até palhaços profissionais. De bancada evangélica à bancada ruralista. De representantes das minorias sexuais a simpatizantes da volta dos militares. De pessoas de ideologia comunista (que defendem a democracia...) a pessoas de direita. De pessoas centradas, equilibradas a pessoas histéricas e confusas.
Por incrível que possa parecer, o mais educado ao votar foi o controvertido Paulo Maluf, que se aproximou do microfone e apenas disse: “Voto SIM”. Porque os outros 500 e poucos deputados patrocinaram - salvo minguadas exceções - um festival de asneiras ao anunciarem seu voto, quase sempre longo (alguns com mais de 5 minutos),quando haviam acordado com a presidência da Casa que cada pronunciamento duraria 10 segundos. Eles mesmos jamais cumprem com o combinado.
Quase todos dedicaram seus votos a Deus (até os ateus). Dedicaram votos às esposas, filhos, netos, sobrinhos, pais, avós. Dedicaram seus votos aos seus estados, cidades, vilas, professoras. Não vi ninguém dedicar votos às sogras e às amantes...
Teve deputado que soltou rojão de estrelinhas prateadas por mais de uma vez. Grande número deles enrolados em bandeiras de seus estados ou bandeiras do Brasil. Além do grande número de cartazes que lembravam clima de uma assembleia de grêmio estudantil da década de 60.
Mas quando um deputado chamou o outro de “viado queima-rosca” e este respondeu com uma cusparada, eu fui acometido de um pensamento melancólico e sombrio. Os próximos anos serão infernais. Pesados. Tristes. O Brasil não merece este tipo de cena nem este tipo de representantes. Estamos literalmente perdidos. Condenados. Fritos.

James Pizarro

quinta-feira, 14 de abril de 2016

E OS MORROS - 14/4/2016




COLUNISTAS

E os morros?




James Pizarro

por James Pizarro em 14/04/2016
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A cidade de Santa Maria, onde nasci e me criei, é cercada por lindas montanhas. Muitas com áreas de degradação e desmatamento, além de pedreiras que consegui paralisar na Justiça quando estive vereador, em 1988/1992. Com o apoio dos colegas da imprensa.
Morro da Televisão, Morro do Cechella, Vila Bilibio, etc...tinham ocupações irregulares naquele período, ao arrepio do Código Florestal e sob a complacência dos políticos. Dei dezenas de entrevistas e escrevi um longo artigo para o jornal “A Razão”, que intitulei “A favelização de Santa Maria já começou”. No artigo eu previa os deslizamentos e as mortes. A cidade caiu de pau em cima de mim, enquanto alguns colegas de docência da UFSM me chamavam de catastrófico. Outros me chamaram de histérico. Os colegas da imprensa sempre deram cobertura aos meus avisos. No Morro do Cechella já houve erosão e alguns pequenos deslizamentos, felizmente sem feridos (por enquanto).
Lembram do desmoronamento na Favela do Morro do Bumba, em Niterói, com dezenas de mortes e famílias inteiras soterradas ? Em Florianópolis ocorrem deslizamentos diante de dois ou três dias de chuva apenas.
O inverno está chegando e, com ele, os períodos de chuvas torrenciais. Quem são os responsáveis pelo uso do solo em Santa Maria? Existe uma espécie de Plano Diretor para as áreas de risco da cidade? Essas áreas estão sendo monitoradas? Se positivo, por quem, quando e onde estão os relatórios do monitoramento? Existem autoridades, secretários, vereadores ou políticos sob qualquer título que estimularam - principalmente em anos eleitorais - a ocupação ilegal de áreas de risco? Existem loteamentos clandestinos? Áreas de preservação permanente estão sendo ocupadas? Os mananciais do município estão sendo protegidos?
Na catástrofe de Niterói, o ilustre prefeito daquela cidade, Jorge Roberto Silveira (PDT) teve a cara de pau de fazer uma ridícula comparação, ao dizer que “ninguém culpou os governos da Ásia pelos tsunâmis”. Sem ao menos ficar vermelho, o prefeito culpou São Pedro pelas chuvas excessivas e pelos desmoronamentos. Recentemente, em Goiás, a justiça liberou da prisão um psicopata de bom comportamento e que tratou logo de matar e estuprar seis adolescentes. As autoridades apenas disseram aos parentes indignados que ocorreu um “lamentável equívoco na avaliação psiquiátrica”. E tudo ficou por isso mesmo.
Se futuramente ocorrerem desmoronamentos e mortes nos morros de Santa Maria, culparão a quem? Vão culpar Nossa Senhora Medianeira e o Diácono Pozzobon que não velaram pela cidade o suficiente ? Vão culpar o azar que se abateu sobre acidade ? Culparão o Pizarro, ancião aposentado que tem a mania de bancar o urubu e fica antevendo tragédias? Respondam, suas almas distraídas: de quem será a culpa!?



James Pizarro

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sexta-feira, 8 de abril de 2016

O QUE LUIZINHO DE GRANDI QUERIA ME CONTAR ? - James PIZARRO


Tinha eu 16 anos quando o Edmundo Cardoso foi diretor do jornal "A RAZÃO", em sua antiga sede, à praça Saldanha Marinho. Fui contratado pelo Cardoso como revisor do jornal, indicado pela professora de português do MANECO. Lá ficava eu até de madrugada, sentindo o cheiro do metal das velhas e barulhentas linotipos. A chamada "prova" (texto recém saído da máquina e por ser ainda corrigido) me era trazida lá do fundo das oficinas pelo amigo Bilibio, um dos talentosos gráficos da empresa.
O Nestor Calcagno já escrevia sobre as Forças Armadas. O Bento do Carmo Machado, popular "Bentinho", escrevia sobre futebol amador. O Amauri Fonseca era o secretário do jornal. E frequentavam a redação o Dr. Amauri Lenz, o Dr. Romeu Beltrão, o Prado Veppo e um sem número de figuras importantes da cidade. O Dr. Amauri escrevia uma crônica semanal chamada "As Semanais", que o Cardoso espirituosamente chamava de "as Seminais". O Dr. Beltrão trazia pessoalmente as suas crônicas. Como ele escrevia muito para o jornal e mais de uma vez por semana trazia suas produções, quando adentrava na sala de redação com seus passos lentos e sua cara sempre séria, o Cardoso sempre lhe dava uma atenção especial.
O Cardoso sempre me recomendava : "Pode sair qualquer coisa errada que tu tens o meu perdão, mas os artigos do Dr. Assis Chateaubriand não podem ter jamais um só erro". Para os mais moços, o Dr. Chateaubriand era o poderoso dono e presidente dos famosos "Diários e Emissoras Associados", empresa à qual pertencia o jornal "A RAZÃO" e responsável por uma fantástica rede de jornais ("Diário de Noticias", de P. Alegre, era um dos mais famosos), revistas (onde despontava a revista "O CRUZEIRO", que foi a revista de maior tiragem da América Latina). Depois veio a TV Tupi, a primeira delas no Brasil e suas retransmissoras, entre as quais a TV Piratini, em P. Alegre. Numa fantástica noite de cansaço, revisei mal o artigo do "poderoso chefão" da empresa...e perdi meu emprego. Lembro bem da frase : "o Presidente da República inaugurou a usina em Pernambuco" e, por descuido meu, o jornal estampou no outro dia "o Presidente inaugurou a URINA em Pernambuco". Sem querer fazer trocadilho, tomei uma mijada do Cardoso e fui despedido.
Muitos anos depois , com jornal já comprado pelo querido amigo Luizinho de Grandi, voltei a colaborar com o mesmo durante quase três décadas, auxiliando no fechamento do jornal na feitura de manchetes. O Luizinho ou o Gaspar Miotto (que está aí bem vivo e pode confirmar) me pediam, enquanto eu tomava chimarrão, para escrever uma manchete com um número "x" de letras para que a diagramação do título ficasse perfeita. Convivi nesse período com centenas e centenas de pessoas, não só colaboradores, articulistas, cronistas, empresários, anunciantes, publicitários, etc...como também a turma dos primeiros estagiários do curso de jornalismo da UFSM. Evito de citar seus nomes não por esquecimento. Ao contrário, lembro de centenas de nomes, muitos deles já falecidos. Mas fico com receio de esquecer de alguém e certamente o espaço não seria suficiente.
Está por ser escrita ainda a história do jornal A RAZÃO. Não apenas uma monografia ou singela tese de mestrado. Mas um livro de memórias mesmo, um livro de História, volumoso, alentado, com centenas de fotos. Porque a história de Santa Maria se confunde com a história do jornal. A própria fundação da UFSM deve muito ao suporte que o jornal lhe deu, pois era com uma pasta de recortes de reportagens sobre a UFSM que o Dr. Mariano da Rocha Filho percorria os gabinetes em Brasília articulando apoios e convencendo autoridades e políticos. Dezenas de jornalistas hoje conceituados no Brasil passaram pelas mesas de redação de A RAZÃO, numa época onde nem se sonhava com computadores e gravadores.
Enfim, mesmo longe de Santa Maria e radicado na ilha de Florianópolis, meu coração ainda bate forte quando me lembro das histórias ligadas ao jornal. Registro uma carona que o Luizinho me deu da redação do jornal até à praça Saldanha Marinho. Ele já estava atrasado para começar seu expediente na SUCEVE onde também trabalhava. Ao sair do carro, apressado, ele me disse : "James, preciso te contar uma coisa importantíssima, mas deixa para o churrasco de sexta lá na churrasqueira do seu Alfeu". Dois dias depois ele foi assassinado.
Nunca saberei que coisa o Luizinho queria me contar...

A DOR - James PIZARRO


Aprendi que por mais que eu queira proteger meus filhos,
eles vão se machucar.
E eu também. 
E que isso é natural.
Porque a Vida é assim.
Muito pouco
Se aprende com a alegria.
E se aprende tudo
Com a Dor.
A gente aprende pouco numa noite de Carnaval.
Mas se aprende muito durante uma noite de velório.

IDOSO VIROU SUCATA DE CARNE VELHA ? - James PIZARRO


Que os planos de saúde colocam mil obstáculos para fazer contratos com idosos, eu estava cansado de saber. Que eles priorizam contratação de planos com jovens, isso também era sabido. Que cobram mensalidades escorchantes dos idosos e com período de carência estapafúrdios, também é realidade.
Mas uma coisa beira a criminalidade : quando um idoso tem condições e aceita as exigências da "empresa", paga religiosamente em dia, cumpre o período de carência, mesmo assim quando surge a necessidade de uma cirurgia, por exemplo, eles postergam a realização da mesma até que uma reunião de médicos decida pela autorização do procedimento.
Os corretores que vendem os planos de saúde têm ordem expressa de evitar a venda de planos para idosos, o que causa aos mesmos uma situação constrangedora. Mesmo assim, muitos efetuavam estes contratos. Os vendedores normalmente ganham de remuneração a primeira mensalidade do contrato que fazem.
Agora, para desestimular a venda do plano para idosos, a maioria das empresas tomou a providência nojenta de não pagar nenhuma taxa para o corretor quando o contratante é idoso.
Que país é este que - mesmo na iniciativa privada e com altos custos para um idoso - trata seus velhos como sucata humana ?
Um idoso agora é tratado como uma laranja que não tem mais suco, que virou bagaço ?
Virou uma caneta esferográfica que perdeu a carga ?
Uma lâmpada fluorescente que não brilha mais e começa a tremelicar ?
Depois de dar uma vida inteira em prol da construção do país, de educar e formar filhos, de lutar pelo patrimônio da familia...ele é tratado assim ?
Onde estão os clubes da terceira idade que não vão para as ruas e paralisam o trânsito, berrando com a voz tremida e arfante, pelos seus direitos ?
Onde estão os políticos asquerosos que só pensam aumentar seus salários e não têm a mínima piedade para com esses homens e mulheres de cabelos brancos que merecem um final de vida digno ?
Onde estão os jovens estudantes universitários, as lindas meninas das praias, a meninada que se entope de álcool e drogas nas baladas ? Pensam que não vão envelhecer ?
Onde está este nosso povo de vocação galinácea, que toma no rabo e sai cantando, pedindo desculpas ainda por ter ficado de costas ?
Onde estão todos ?
Escondidos atrás de seu comodismo ?
Protegidos em seus carros blindados ?
Escondidos em seus apartamentos de cobertura ?
Vivendo uma vida de faz-de-conta que é vida ?
Onde estão vocês, seus merdas ?

SAUDADE DA NARA LEÃO - James PIZARRO


Quando noivos, eu e minha mulher éramos fãs de carteirinha da Nara Leão. Eu tinha todos os discos dela, acompanhavaQ suas andanças, sua participação como musa do movimento da "Bossa Nova" e também seu engajamento político.
No dia 2 de setembro de 1967 nasceu nosso primeiro filho : uma menina. E que recebeu o nome de Nara, em homenagem à nossa musa.
Estou relembrando tudo isso porque no dia 7 de junho de 2013, fez 14 anos que Nara Leão morreu. Vítima de um tumor em região de difícil acesso no cérebro, depois de penar e lutar titanicamente durante dez anos contra a doença, Nara expirou em 7 de junho de 1989.
Há um belo livro para todos que querem saber mais sobre esta extraordinária cantora e ativista política : "Nara Leão: uma biografia", de Sérgio Cabral, publicado pelas editoras Companhia Editora Nacional e Lazul.

UMA CRIANÇA PODRE - James PIZARRO


O feto estava no alagadiço. Resto de mangue na praia dos Ingleses.
Misturado a galhos da vegetação. E folhas em decomposição.
Cheiro de maresia. Misturado à carne humana em decomposição.
Deveria ter uns sete meses aquela criança.
Loira. Sexo feminino. Lindinha.
Aborto feito primitivamente. Assassinada por uma mãe desesperada.
Dois ou três furos na cabeça do feto. Provavelmente com agulha de tricô.
Pelos orifícios corria massa encefálica.
Pedaços de um cérebro que não veio a ser.
Parecia fio de ovos escorrendo.
Mais um vítima da miséria.
Do medo.
Da ignorância.
Na TV políticos nojentos sorriem.
E prometem segurança. Trabalho.
Saúde. E educação.
Mentem sem pudor algum. São mortos em vida.
E fedem muito mais do que aquele feto.

Os morros de Santa Maria vão deslizar - James PIZARRO


A cidade de Santa Maria, RS, onde nasci e me criei, é cercada por lindas montanhas. Muitas com áreas de degradação e desmatamento, além de pedreiras que consegui paralisar na justiça quando estive vereador, em 1988/1992. E com o apoio da Rádio Universidade, através de entrevistas e denúncias.
Morro da Televisão, Morro do Cechella, Vila Bilibio, etc...têm ocupações irregulares que começaram naquele período, ao arrepio do código florestal e sob a complacência dos políticos. Dei dezenas de entrevistas e escrevi um longo artigo para o jornal "A Razão", que intitulei "A favelização de Santa Maria já começou". No artigo eu previa os deslizamentos, as mortes, etc... A cidade caiu de pau em cima de mim, enquanto colegas de docência da UFSM me chamavam de catastrófico. Outros me chamaram de histérico. Os colegas da Rádio sempre ficaram do meu lado.
Li dia desses nos jornais de Santa Maria que no Morro do Cechella já houve erosão e alguns pequenos deslizamentos, felizmente sem mortes (por enquanto).
Retorno ao tema por causa do desmoronamento e das mortes da Favela do Morro do Bumba, em Niterói, com dezenas de mortes e famílias inteiras soterradas.
Quem são os responsáveis pelo uso do solo em Santa Maria ?
Existe uma espécie de plano diretor para as áreas de risco da cidade?
Essas áreas estão sendo monitoradas? Se positivo, por quem, quando e onde estão os relatórios do monitoramento?
Existem autoridades, secretários, vereadores ou políticos sob qualquer título que estimularam - principalmente em anos eleitorais - a ocupação ilegal de áreas de risco? Existem loteamentos clandestinos? Áreas de preservação permanente estão sendo ocupadas? Os mananciais do município estão sendo protegidos?
Nesta catástrofe de Niterói, o ilustre prefeito daquela cidade, Jorge Roberto Silveira (PDT) teve a cara de pau de fazer uma ridícula comparação, ao dizer que "ninguém culpou os governos da Ásia pelos tsunâmis". Sem ao menos ficar vermelho, o prefeito culpou São Pedro pelas chuvas excessivas e pelos desmoronamentos.
Agora mesmo, em Goiás, a justiça liberou da prisão um psicopata de bom comportamento e que tratou logo de matar e estuprar seis adolescentes. As autoridades apenas disseram aos parentes indignados que ocorreu um "lamentável equívoco na avaliação psiquiátrica". E tudo ficou por isso mesmo.
Se futuramente ocorrerem desmoronamentos e mortes nos morros de Santa Maria, o que dirão as autoridades?
Que a culpa é do "El Niño"? De Nossa Senhora Medianeira e do diácono Pozzobon que não velaram pela cidade?
Ou culparão o Pizarro e me acusarão de ave de mau agouro?
O que dirão?

O BOLOR COMENDO O IDEAL - James PIZARRO


A turma entrou na UFSM em 1963. Quase todos pobres. Ou de classe média baixa. Dois ou três de famílias bem postas financeiramente.
Mas todos amigos. Alegres. Parceiros de caminhada.
Cheios de vontade de mudar o mundo.
Nunca alguém sentiu qualquer diferença de classe social.
Veio a formatura. Ano de 1966. Cinema Glória cheio. Reitor Mariano e seu discurso costumeiro. Enaltecendo a UFSM. Fazendo profissão de fé nos formandos. Tocando no sentimento dos familiares.
Passaram-se os anos. A turma tomou por hábito fazer encontros periódicos.
De cinco em cinco anos era certo o almoço e janta no Restaurante Augusto.
Todos vinham de todos os rincões do país.
Alguns casados. Com filhos. Felizes. Assim foi nos dez anos de formatura.
Vinte anos. Trinta anos. Quarenta anos.
Na reunião dos quarenta anos de formados quinze já haviam morrido. Uns estavam aposentados. Outros haviam abandonado a profissão. Outros estavam doentes. Uns viraram alcoólatras. Outros estavam no segundo ou terceiro casamento. Um tinha assumido sua homossexualidade. Outro não tinha dinheiro para pagar o galeto e a bebida. Pediu emprestado para os colegas. O mais pobre da turma tinha se transformado em prefeito e defendia o Maluf. Logo ele que, quando estudante, era ardoroso defensor do Brizola. Ficou calado durante o encontro. Engravatado. Empertigado. Solene. Logo ele, que assistia as aulas no campus da UFSM de sandálias.
Chegou a época da festa dos cinquenta anos de formatura. Ninguém mais entrou em contato. O mentor das festas, organizador dos encontros, morreu.
Os ideais morreram. A juventude se foi. O carater mudou. O quadro de formatura na parede do prédio da faculdade está cheio de mofo.
E pelos corredores apenas o silêncio.

O ORGULHO DA EREÇÃO !!! -James PIZARRO


Enquanto universitário, tive de dar duro para me sustentar. Trabalhava no SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência, como auxiliar administrativo (concursado). Aos domingos vendia "poules" no Jockey Club da cidade. E dava aulas no Colégio Santana e cursinho pré-vestibular durante a semana.
Na hora do cafezinho, pelas manhãs, sempre aparecia no SAMDU um ferroviário simpaticíssimo, cabelos brancos, rengueando de uma das pernas. Era pai do músico Paulinho Cruz, que tinha um conjunto musical em Santa Maria, "Paulinho e seus Rapazes", que animava as reuniões dançantes no Clube Comercial. Anos depois foi assassinado com um tiro na faixa nova de Camobi, que estava em construção.
Pois o pai do Paulinho sempre tinha uma história para contar ou uma anedota para divertir a todos. Certa vez, o assunto era sério na roda do cafezinho : os médicos falavam sobre impotência masculina. Instado a falar sobre o tema, o "Seu" Cruz disse que "a gente não fica broxa de uma hora para outra, as coisas vão acontecendo esporadicamente, até que as ereções se tornam bastante raras...e quando a gente menos imagina, nos locais mais impróprios, a gente fica de pau duro".
O administrador do SAMDU, Diogo Dante Zanetti, disse ao "Seu" Cruz :
- Buenas, nestas horas o senhor certamente corre para casa para aproveitar com a sua senhora...
O sincero "Seu" Cruz rebateu de imediato :
- Que nada...pego o primeiro taxi que está passando e vou lá na praça Saldanha Marinho mostrar para os meus amigos aposentados...
A risada foi geral.

DOIS DESTINOS - James PIZARRO


Era um menino bonito, vivo, simpático.
Corria alegremente pelo pátio do então Grupo Escolar João Belém. Mais tarde era o centro das atenções no pátio do Colégio Manoel Ribas.
Corria a década de 50 na pacata Santa Maria, RS.
No entanto, o adolescente tinha um certo desvio comportamental. Gostava de abusar com os colegas de famílias mais pobres. Os que não usavam roupas de grife. E muito menos frequentavam os salões do Comercial e Caixeiral.
E fazia isso acintosamente. Jogando no ridículo os baixinhos. Os gagos. Os que tinham deficiência visual e usavam óculos, a quem ele chamava de "quatro-olho".
Tinha predileção por tirar sarro ("inticar" se dizia naquela época) com um aluno tímido, calado, de boca pequena a quem ele apelidou de "boquinha-de-chupar-ovo".
Passaram-se vinte e cinco anos.
E cada aluno tomou seu rumo. Foi trilhar seu destino.
Por estes estranhos desígnios o grande gozador de outrora e de futuro brilhante, virou ascensorista.
E o "boquinha-de-chupar-ovo" passou a subir pelo elevador onde seu outrora algoz trabalhava. Porque dava aulas naquele prédio da universidade.
Um dia o encontrou deitado no elevador, bêbado, vomitado e urinado.
Foi aposentado por alcoolismo o outrora gozador.
Abandonado pela mulher, meses depois deu um tiro no ouvido.
Enquanto o outro, tímido e pobre garoto de outrora, continua dar suas aulas na universidade.
E na hora do recreio come ovo na cantina do campus.
Deixando cair alguns respingos de gema no avental imaculado.
Com sua boca pequena.

O MEU UNIVERSO DE GURI - James PIZARRO


Passei minha infância numa casa situada no alto dos barrancos da rua Silva Jardim, em Santa Maria, RS. Distante uns cinquenta metros do arroio Cadena. Que naquela época corria a céu aberto. Hoje está canalizado. E corre anônimo sob o Parque Itaimbé. O Cadena tinha lambaris. Tartarugas. Sapos. Rãs. Cobras. E era cercado por uma mata de galeria.
Minha casa ficava ao lado da casa da minha avó materna, dona Olina. Os dois pátios eram unidos. Pareciam uma chácara na zona central da cidade. Onde existia de tudo. Pitangueiras. Laranjeiras. Limoeiros. Bananeiras. Araçás. Jaboticabeiras. Na casca dessas árvores quantidades de orquídeas. E toda uma variedade imensa de chás. Que compunham a medicina caseira da minha avó. Uma bem cuidada horta com canteiros que eram adubados com esterco de galinha, proveniente de um enorme galinheiro. Onde estavam desde inocentes garnizés até galinhas de raça, de elevada postura. Minha avó criava cabritas. Até meus onze ou doze anos sempre tomei leite de cabra. Quentinho. Espumoso. Direto do balde onde minha avó apojava todo dia aquelas cabritas. Todas elas pretas. Também tinha gatos. Que não eram da minha simpatia. E cachorros. Os gatos eram predileção do meu avô Fredolino. Os cães eram os favoritos de minha avó e de minha mãe. Meu pai tinha caturritas que azucrinavam os ouvidos da gente chamando-lhe pelo nome : "Alfeu, Alfeu, Alfeu..." Existiam coelhos angorás que cavavam túneis e tocas por todo o pátio. Na frente da casa um belo e cuidado jardim.
Enfim, meu pátio era uma coisa inimaginável para a geração de crianças de hoje. Criadas em apartamentos. E que só conhecem galinhas congeladas. E demais animais apenas pela televisão.
Meus quatro avós já morreram. Meus sogros e meu pais também.
E não existem mais caturritas que chamam "Alfeu."

A VIDA DESFILA NA MINHA SACADA - James PIZARRO

Na sacada do meu apartamento ficam dois varais de roupas. Cadeiras, carrinho e mesa de praia. E também um carrinho de feira. Com o qual me abasteço no "Direto do Campo".
A sala se abre para a sacada através de uma grande porta de correr. Guarnecida de vitral transparente que toma o tamanho todo da porta. O que garante iluminação feérica em dias de sol. E vista para árvores, prédio vizinho, rua,passantes e uma pedaço de mar.
Mas o que mais importa na minha sacada é que a transformei num grande refeitório para pássaros. Em cima do muro que a guarnece coloco ração feita de milho picado, arroz picado e farelo de trigo.
A princípio, apareciam apenas pardais. Nos primeiros dias, quatro ou cinco. Depois, cheguei a fotografar dezoito. Uns voam e levam no bico grãos para ninhos construidos nos beirais da pousada que fica ao lado do nosso prédio. Muitos filhotes também aparecem.
Atualmente, além dos pardais, me visitam rolinhas, periquitos coloridos, bicos-de-lacre. Por duas vezes apareceram sabiás. E só uma vez apareceu uma pomba solitária.
Evito alimentar pássaros que vivem livremente com grãos de alpiste, girassol ou painço porque muitos deles - sobretudo as rolinhas e os pombos - não conseguem descascar as sementes, o que causa inchaço em seus papos lhes causando a morte.
Duas vezes por semana higienizo o muro da sacada, removendo os restos de grãos e os excrementos conservando o beiral sempre limpo.
Coloco a ração três vezes por dia : às seis da manhã, quando levanto, depois do almoço e à tardinha. Os pássaros são pontuais e os encontro em alegre cantoria nestes três horários. Vivem em liberdade e têm garantida uma fonte diária de nutrição, enquanto eu ganho o convívio e o canto. Aprendi a observá-los em silêncio enquanto tomo meu chimarrão, sem me movimentar muito. Observo o comportamento deles e bato dezenas de fotos. Já consegui algumas vezes levantar e ficar escorado na grade da sacada sem que eles voassem embora. Já estão se acostumando com minha presença e permitindo uma aproximação cada vez maior.
Muitos amigos ficam surpresos quando lhes narro estas minhas experiências. Outros escutam e fazem cara de desdém. Houve até alguém que me disse : "Estás ficando velho, Pizarro". Confesso que não entendi a relação.
Nem de longe suspeitam - com suas almas sem sensibilidade - que minha qualidade de vida aumenta com o convívio e a contemplação dos pássaros. Eles nem suspeitam que estes pássaros - além do canto e do colorido - contribuem para o equilíbrio ecológico, quando se alimentam de insetos e pragas que atacam as plantas. Muitos deles funcionam como agentes polinizadores das flores, aumentando a produção dos frutos. E grande número de pássaros - ao levarem sementes de um lugar para outro - contribuem com a disseminação das plantas fazendo o papel de semeadores naturais.
Estou pensando em outros tipos de rações e uns dois bebedouros, o que fará que apareçam outras espécies, como bem-te-vis, coleirinhas e beija-flores.
Espero não perder jamais a sensibilidade para estas coisas. Não perder o dom do mistério. Nem a capacidade de me enternecer diante de catedrais ambulantes de vida como são estes delicados seres vivos.
Devo dizer que me sinto bem em companhia deles.
O que já não posso dizer em relação a muitos humanos

O HOMEM-TRONCO - James PIZARRO


Ele era pontual. Quando o o relógio marcava 16,30h, ele partia. Atravessava a rua.
Mas ficava longo tempo com o meio corpo encostado na calçada.
E agarrava-se na lixeira presa ao poste. Para manter o equilíbrio.
Nunca soube seu nome. Sabia que era mendigo. Aleijado.
E que demorava para atravessar a rua. Dependia do fluxo de automóveis.
Ele era muito pequeno. Roupa escura. Não seria notado por motorista apressado.
Corria o risco diariamente de ser atropelado.
Ele que já tinha o corpo atropelado pela fatalidade embriológica.
Nunca soube seu nome. Sabia que era pobre. Mendigo.
Depois de atravessar a rua ficava quieto.
Encostado na parede do prédio da ex-Faculdade de Direito da UFSM. Na parada do ônibus.
Nunca vi ninguém ajudá-lo a atravessar a rua.
E também sem ajuda ele fazia a penosa subida no ônibus. Erguia os dois tocos de braços.
Agarrava-se como podia. E com formidável força erguia o meio corpo.
E se arrastava pelo corredor do ônibus.
Nunca soube seu nome. Sabia que era pobre. Aleijado.
Sempre ficava olhando o ônibus descer a Floriano Peixoto.
Levando no seu ventre de lata aquela criatura. Meia criatura.
Sacolejando no corredor aquele meio corpo. Carregando a féria do dia. Que servia de sustento.
Naquela tarde eu observava tudo. Escorado no beiral do terraço da Rádio Universidade.
O chuvisqueiro havia parado. Um sol ainda tímido fazia buraco entre as nuvens.
As pombas da Antiga Reitoria iniciavam a revoada.
Pombas brancas. Normais. Inteiras. Asas abertas. Serenas.
Elas planavam. E íam pousar do outro lado da rua. No prédio do Colégio Santa Maria.
Lá embaixo as pessoas passavam. Apressadas. Com pastas pretas.
Um senhora loira carregava um ramo de flores. O bilheteiro estendia seus bilhetes.
As pessoas passavam. Cumpriam seu destino de passar.
No outro dia o homem-tronco estaria de volta.
E na semana seguinte. E no outro mês. E no próximo ano.
E ficaria no mês lugar. Olhando as pernas normais. Os passantes apressados.
Um dia ele não voltou nunca mais.
E ninguém notou a sua falta.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

SAUDADE - 7/4/2016




COLUNISTAS

Saudade




James Pizarro

por James Pizarro em 07/04/2016
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GOLDMANN - Em 6/3/2002 ocorria o falecimento de João Francisco Goldmann em nossa cidade. Foi provavelmente o maior estilista da moda que a cidade já teve. Produziu em quantidade e sobretudo em qualidade. Esteve seguramente - como a imprensa da época registrou - entre os maiores estilistas gaúchos e brasileiros. Prestou grandes serviços à Escola de Samba Unidos do Itaimbé confeccionando as principais fantasias do desfile da escola que por vários anos seguidos sagrou-se campeã. A diretoria da escola de samba era muito ativa, sendo composta por Zaira de Grandi, Alfeu Pizarro, Luizinho de Grandi, etc... Goldman foi meu amigo particular, pois frequentávamos semanalmente - com dezenas de outros amigos (Antero Scherer, Máximo Knakfuss, Abdo Mothcy, Arnaldo Walty, etc... - a sauna do Avenida Tênis Clube, onde a vida da cidade era passada a limpo com piadas, histórias jocosas, “causos” folclóricos. Há mais de uma década João Francisco Goldmann deixou a cidade, as clientes e seus amigos, deixando um grande vazio na sua arte, onde foi um expoente.
SUZANA - Na tarde de 17/2/2014 morreu minha querida amiga SUZANA MEDIANEIRA CASSOL, em Fortaleza, no Ceará. Suzana era serventuária (aposentada) da Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul (em Santa Maria) e residia em Canasvieiras com seu companheiro Tadeu Mello, que na juventude foi o mór da banda do MANECO. Estavam há poucos dias viajando pelo Ceará para visitar amigos quando teve de ser hospitalizada e veio a falecer. O casal de amigos era muito ligado à comunidade daIgreja Nossa Senhora de Guadalupe, em Canasvieiras. Na noite de18/2 foi rezada uma missa em intenção à alma de nossa querida amiga. Suzana foi cremada em Fortaleza no dia 18/2/2014 e suas cinzas levadas à Santa Maria pelo seu companheiro Tadeu Mello e por irmãos da falecida. Que Deus o tenha em sua santa glória.
CARNEIRO - Em 7 de abril de 2014 ocorreu o falecimento de Augusto Carneiro, 91 anos, em Porto Alegre. Carneiro foi um dos lideres do movimento ecologista gaúcho e fundou, junto com Lutzemberger, a AGAPAN - Associação Gaucha de Proteção ao Ambiente Natural. Foi uma vida repleta de obras egrandes amigos, formando várias gerações na boa leitura (era livreiro). Esteve algumas semanas internado no Hospital Mãe de Deus, com dificuldades respiratórias. Seu corpo foi levado ao Cemitério São Miguel e Almas. Deixou a filha Andreia e a neta Janaina. Além de milhares de seguidores de suas idéias,enquanto os quais modestamente me encontro.
LITO - Em 9/7/2015, quinta-feira, ocorreu em nossa cidade o falecimento do empresário e médico Luiz Carlos Nassar Falckembach, fundador do curso Pré-Vestibular Riachuelo. Conhecido por todos os amigos como “Lito”, Falckembach faria 72 anos no dia 28 de julho. Além de empresário, Falckembach era médico e lecionou no Departamento de Patologia da Universidade Federal de Santa Maria. Fui colega do Lito no ginásio e científico do MANECO e, como professor de Biologia, trabalhei mais de 30 anos com ele nos cursinhos Riachuelo e Master. Foi meu amigo particular, meu colega de sauna e tênis no ATC, enfim - uma amizade de mais de meio século.



James Pizarro