quinta-feira, 28 de janeiro de 2016


COLUNISTAS

O óbito da infância


James Pizarro

por James Pizarro em 28/01/2016
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Quem tem hoje 60 ou 70 anos conheceu relógio cuco. Chaveiro com pé de coelho. Mimeógrafo a álcool. Monóculo com foto. Bombril na antena da TV. Papel almaço. Envelolpe aéreo verde e amarelo. Sapato Vulcabras. Dedal. Boneca de anil. Sabonete Eucalol com estampas. Latinha de Neocid. Maiôs Catalina dos concursos de miss Brasil.
Glostora para o cabelo. Pratos e xícaras Clorex. Drops Dulcora. Sabonete Lever. Revista do Rádio. Óleo Singer. Modess Pétala Macia. Piadas da caserna da revista Seleções. Camisetas de banlon. Emulsão de Scott. Os Sobrinhos do Capitão.
Quem tem hoje 60 ou 70 anos foi criado num mundo cheio de superstições. Onde se acreditava em coisas fantásticas. Em mitos populares. Em coisas repassadas pelos familiares mais idosos.
Diziam que, quem engolisse um chiclete, o mesmo grudaria no intestino e daria um “nó nas tripas”.
Comer pão quente não podia.
Era proibido tomar banho de estômago cheio porque poderia dar um “derrame”.
Pêssego com leite não se podia comer.
Melancia com uva “empedrava” no estômago.
Os amigos mais velhos e os tios ensinavam que se masturbar com muita frequência fazia criar pelos na palma das mãos. Ou quem se masturbasse mais de uma vez por dia ficaria impotente precocemente (como se este hábito fosse uma espécie de caderneta de poupança: se gastasse demais agora faltaria ali adiante...).
As gurias eram doutrinadas a não lavar a cabeça quando estavam menstruadas e também não pisar de pés descalços no chão úmido e frio.
Passar bosta de galinha misturada com querosene no rosto fazia crescer a barba mais rápido.
Quem incomodasse muito os pais, o “Tio Santo” levaria para sempre num saco. Esse “Tio Santo” era um mendigo negro, que perambulava pelas ruas de Santa Maria na década de 50, sempre carregando um saco de estopa.
Enfim - a infância dos sessentões e setentões - foi povoada de dezenas dessas histórias.
Logo - com a juventude - eles ficavam sabendo que era tudo mentira.
O mundo das crianças de hoje serão também povoados por estes medos? Terão a mesma inocência?
Acho que não. O que é uma pena.
O que eles terão para rememorar futuramente?

James Pizarro

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